Por ocasião do julgamento do AREsp nº 2.554.882/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) produziu um importante precedente acerca da interpretação do artigo 100 do Código Tributário Nacional que trata das normas complementares em matéria tributária, do que são exemplos os atos normativos e as práticas reiteradas das autoridades administrativas.
Em síntese, discutiu-se a possibilidade de enquadrar decisões proferidas no âmbito administrativo na definição de norma complementar para fins de exclusão de penalidades e juros de mora.
No caso concreto o Contribuinte impetrou um mandado de segurança para afastar a multa aplicada pela Receita Federal devida em razão de compensação de prejuízos fiscais acima do limite de 30%. Para tanto fundamentou no sentido de que, à época dos fatos (2004), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) possuía entendimento consolidado no sentido de permitir a compensação de prejuízos fiscais em casos de extinção da pessoa jurídica.
Essa tese foi acolhida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o que gerou a interposição de Recurso Especial pela Fazenda Nacional para levar a questão ao STJ, sob o argumento de que decisões do CARF não poderiam ser consideradas práticas reiteradas observadas pela Administração Tributária.
No STJ o Recurso Especial do Fisco foi provido para reestabelecer a cobrança da multa e dos juros com base nos seguintes fundamentos:
- Decisões do CARF não criam previsibilidade tributária, uma vez que a existência de divergências no âmbito do próprio CARF indicam falta de estabilidade. A existência de múltiplas decisões sobre o mesmo tema demonstra instabilidade, e não uma prática consolidada da Administração Tributária;
- O artigo 100, II, do Código Tributário Nacional exige previsão legal para vincular decisões administrativas: Para que uma decisão do CARF tenha efeito normativo, é necessário que a lei lhe atribua essa eficácia, hipótese não vislumbrada no caso em questão.
O precedente em questão reforça a visão de que o simples fato de haver decisões favoráveis aos Contribuintes no âmbito do CARF não significa, por si só, que eles podem confiar nessas interpretações para orientar a sua conduta com o objetivo de afastar eventuais penalizações.
No entanto esse entendimento levanta preocupações envolvendo a segurança jurídica que deve reger a relação entre Fisco e Contribuintes, especialmente considerando o disposto no artigo 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB – Decreto-Lei 4.657/42) no sentido de que a validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa levará em conta as orientações gerais da época.
Essa norma assegura que o particular não será penalizado por adotar conduta que tenha observado as orientações gerais da época, o que, na seara tributária, traduz-se na orientação do CARF, por ser o órgão máximo de revisão do ato administrativo de lançamento.
Se existia jurisprudência administrativa vigente à época dos fatos no sentido de permitir a compensação dos prejuízos diversos, o Contribuinte não poderia ter sido penalizado com a imposição de multa e cobrança de juros, em respeito ao princípio da segurança jurídica e ao citado artigo da LINDB que consagra esse postulado a nível infraconstitucional.