Em 18.04.2022, transitou em julgado o acordão prolatado no EREsp nº 1.795.347/RJ, no qual o Superior Tribunal de Justiça declarou a impossibilidade de o contribuinte defender, em embargos à execução fiscal, a extinção do crédito tributário mediante compensação que não fora homologada administrativamente, em razão da vedação do art. 16, § 3º, da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais).
Antes do julgamento do citado embargos de divergência, a Corte Superior já havia decidido, em 2009, em sede de repetitivo (REsp 1.008.343, Tema 294/STJ) que “a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário”.
Nesse sentido, muitos contribuintes apresentaram embargos à execução fiscal visando nova análise da compensação administrativa, quando não homologada administrativamente ou indeferida, à luz do julgamento do REsp 1.008.343 (tema 294), já que caberia ao Poder Judiciário examinar a legalidade do ato decisório administrativo. Entretanto, configurou-se divergência sobre as linhas interpretativas da tese firmada.
Como se observa do acordão proferido na apelação cível n° 0015290-32.2013.4.02.5101/RJ, pelo TRF-2ª Região, ora se declarava que “Após tal julgado, a Corte de Justiça, interpretando este precedente, tem se posicionado no sentido de que a alegação de compensação no âmbito dos embargos à execução restringe-se àquela já reconhecida administrativamente ou judicialmente antes do ajuizamento da execução fiscal, não se aplicando aos casos em que a compensação foi indeferida na via administrativa ou sequer requerida”.
Como se observa do acordão proferido na apelação cível n° 0015290-32.2013.4.02.5101/RJ, pelo TRF-2ª Região, ora se declarava que “Após tal julgado, a Corte de Justiça, interpretando este precedente, tem se posicionado no sentido de que a alegação de compensação no âmbito dos embargos à execução restringe-se àquela já reconhecida administrativamente ou judicialmente antes do ajuizamento da execução fiscal, não se aplicando aos casos em que a compensação foi indeferida na via administrativa ou sequer requerida”.
Ora se entendia (voto divergente) que “A partir da leitura do recurso repetitivo citado acima, não é possível concluir que a Corte Superior condiciona a alegação da compensação, como matéria de defesa em sede de embargos à execução fiscal, à certeza e liquidez do crédito do sujeito passivo. No julgado do STJ (item 6 da ementa), a presença de tais requisitos constituiu apenas argumento de reforço à admissibilidade da veiculação dessa tese, e não requisito para a sua aceitação. O preenchimento, ou não, desses requisitos, bem como a suficiência ou a insuficiência dos créditos do embargante para fazer frente às dívidas existentes junto ao Fisco fazem parte do mérito dos embargos e resultarão, ao final, em julgamento de procedência ou improcedência”.
A Sétima Turma do TRF-1ª Região, igualmente, amparada no julgamento do Tema 294/STJ, decidiu, na Apelação Cível nº 0001781-91.2016.4.01.3602, que a “compensação tributária adquire a natureza de direito subjetivo do contribuinte (oponível em sede de embargos à execução fiscal)”.
No mesmo sentido posicionava-se a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça “No concernente à possibilidade de alegar em sede de embargos à execução compensação já efetivada, o Tribunal a quo foi claro ao manifestar que trata-se de compensação já pleiteada na via administrativa, antes de iniciada a execução fiscal” (AgRg no REsp n. 1.142.293/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 13/9/2010).
Ocorre que a 2ª Turma do mencionado STJ passou a ter uma interpretação restritiva daquele julgamento do repetitivo, ao entender que somente poderia servir como matéria de defesa em embargos à execução fiscal a compensação já homologada (deferida) na esfera administrativa. Confiram-se alguns julgados.
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CARACTERIZADA. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA ALEGADA COMO MATÉRIA DE DEFESA. POSSIBILIDADE APENAS PARA COMPENSAÇÕES PRETÉRITAS HOMOLOGADAS ADMINISTRATIVAMENTE. TODAVIA, NÃO É POSSÍVEL CONTESTAR O INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO DO PEDIDO DE COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA DIANTE DO ÓBICE DO ART. 16, § 3o. DA LEI 6.830/1980. AGRAVO INTERNO DA SOCIEDADE EMPRESARIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. […] 2. Esta Corte Superior, sob o rito do art. 543-C do Código Buzaid, firmou a compreensão de que a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos Embargos à Execução Fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário (REsp. 1.008.343/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 1o.2.2010). 3. Interpretando o julgado supramencionado, ambas as Turmas integrantes da 1a. Seção deste Sodalício possuem a orientação de que somente seria possível a alegação, em Embargos à Execução Fiscal, de compensação tributária, caso esta já tenha sido reconhecida administrativa ou judicialmente antes do ajuizamento do feito executivo. Por isso, a compensação indeferida na seara administrativa não encontra lugar nos Embargos à Execução Fiscal diante do óbice do art. 16, § 3o. da Lei 6.830/1980. Precedentes: AgInt no AREsp. 1.327.944/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 22.11.2018; AgInt no REsp. 1.694.942/RJ, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 2.3.2018; AgInt no AgInt no REsp. 1.550.730/RS, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 15.8.2017; AgRg no Ag 1.352.136/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2012. […]”(AgInt no AREsp n. 1.054.229/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 31/8/2020, DJe de 3/9/2020).
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. COMPENSAÇÃO INDEFERIDA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. DECISÃO PROFERIDA NA ORIGEM EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. HOMOLOGAÇÃO TÁCITA. INOCORRÊNCIA. REVISÃO DE PREMISSAS FÁTICAS ESTABELECIDAS NA ORIGEM. DESCABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. […] 4. Ademais, consoante a jurisprudência do STJ, ‘indeferida a compensação na esfera administrativa, não é possível ‘homologar a pleiteada compensação em sede de embargos à execução fiscal, conforme o entendimento desta Corte. É que a alegação de compensação no âmbito dos embargos restringe-se àquela já reconhecida administrativa ou judicialmente antes do ajuizamento da execução fiscal, conforme entendimento adotado na sede de recurso especial repetitivo (REsp 1.008.343/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 1º/2/2010)’ (AgInt no REsp 1.795.347/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 9/6/2020). […]” (AgInt no AREsp n. 1.670.993/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/2/2021, DJe de 1/3/2021).
Diante da divergência entre os entendimentos da Primeira e a Segunda Turmas, o contribuinte opôs Embargos de Divergência, para uniformização da matéria.
No julgamento do EREsp nº 1.795.347/RJ, a Corte Suprema reinterpretou seu próprio precedente e esclareceu que “a Primeira Seção, nos autos do REsp repetitivo 1.008.343/SP, embora tenha julgado favoravelmente ao contribuinte, não tratou especificamente de hipótese em que teria ocorrido indeferimento da compensação na esfera administrativa.” Acrescentou que não pode ser deduzida, em embargos à execução fiscal, a compensação indeferida na esfera administrativa, à luz do art. 16, § 3º, da Lei n. 6.830/1980. Concluiu não haver mais divergência a ser solucionada, entre as Turmas.
Em que pese a relevância do resultado do julgamento, a controvérsia sobre a tese supra demanda novos debates.
Não há dúvida de que, para os casos futuros, a discussão dos débitos tributários decorrentes da não homologação da compensação prévia deverá ocorrer em ações anulatórias e não mais na via dos Embargos à Execução.
No entanto, e para os antigos casos?
Já é possível verificar-se decisões aplicando a tese estabelecida nos EREsp nº 1.795.347/RJ em embargos à execução ajuizados em momento anterior ao acordão enunciado nos citados embargos de divergência, em 2021. Exemplifica-se com a Apelação Cível nº 0026903-38.2017.4.03.6182, julgada pela Sexta Turma do TRF 3ª Região, na qual foi afastada a alegação de compensação em embargos à execução fiscal, com fundamento no recente entendimento do STJ.
Nessas situações, incumbe ao contribuinte demonstrar que não houve erro quanto ao instrumento processual utilizado. Embora a jurisprudência atual seja no sentido contrário à viabilidade de oposição de embargos à execução referente à compensação negada administrativamente, a jurisprudência do STJ vigente à época (REsp 1.008.343, Tema 294/STJ) permitia entendimento diverso, cabendo sustentar-se o seu prejuízo ao direito de defesa, bem como o princípio da não surpresa.
Entendemos caber o pedido, a ser deduzido nos embargos à execução para sua conversão em ação anulatória do débito fiscal, porquanto ambas as ações são desconstitutivas de débito e com cognição autônoma.
Assim, a conversão encontra amparo nos princípios da instrumentalidade das formas, da celeridade, da economia processual e da efetividade da jurisdição. É que o se verifica do precedente do Exmo. Ministro Teori Albino Zavascki, nos autos do REsp 574.357/SP, verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL EM CURSO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA DO DÉBITO. POSSIBILIDADE. CONEXÃO. NÃO-OBRIGATORIEDADE DE OFERTA DE GARANTIA, NECESSÁRIA APENAS À OBTENÇÃO DO ESPECIAL EFEITO DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO DÉBITO.
1. Se é certo que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título não inibe o direito do credor de promover-lhe a execução (CPC, art. 585, § 1º), o inverso também é verdadeiro: o ajuizamento da ação executiva não impede que o devedor exerça o direito constitucional de ação para ver declarada a nulidade do título ou a inexistência da obrigação, seja por meio de embargos (CPC, art. 736), seja por outra ação declaratória ou desconstitutiva. Nada impede, outrossim, que o devedor se antecipe à execução e promova, em caráter preventivo, pedido de nulidade do título ou a declaração de inexistência da relação obrigacional.
2. Ações dessa espécie têm natureza idêntica à dos embargos do devedor, e quando os antecedem, podem até substituir tais embargos, já que repetir seus fundamentos e causa de pedir importaria litispendência.
3. O exercício do direito constitucional de ação, para ver declarada a nulidade do título ou a inexistência da obrigação, independe da oferta de garantia, indispensável apenas na hipótese de o devedor pretender obter a suspensão da exigibilidade do débito impugnado.
4. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 574.357/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/04/2006, REPDJ 12/06/2006, p. 439, DJ 04/05/2006).
Extinguir eventuais embargos à execução fiscal – apresentados antes do recente julgamento da 1ª Seção do STJ em 2021– viola os princípios da inafastabilidade do acesso ao Judiciário; afronta a segurança jurídica, a fungibilidade e a instrumentalidade das formas, além da economia processual.
Se desse modo não for, em muitos casos, terá transcorrido o prazo prescricional (art. 169 do CTN) para o contribuinte ajuizar ação anulatória, hipótese na qual não lhe restará outro meio processual para questionar judicialmente a não homologação do seu crédito que sustenta deter.
Recentemente, o Exmo. Sr. Juiz Federal, Dr. Erik Gramstrup, da 6ª Vara de Execuções Fiscais Federal de São Paulo, deferiu pedido formulado por contribuinte de conversão do rito processual, para que os embargos à execução fossem processados como ação anulatória de débito fiscal.
Isso se deu nos embargos à execução n° 5003298-07.2019.4.03.6182, onde restou assentado: “a forma deve ceder às necessidades da justiça”, já que “tendo-se em conta que os embargos foram recebidos à luz de certo entendimento jurisprudencial fixado em precedente, que agora, aparentemente, está sendo reinterpretado pelo E. STJ, a ponto de que não se possa chegar ao julgamento do mérito do feito, parece razoável, à luz dos princípios já invocados, que se consertem as formas para que o resultado prático da prestação jurisdicional prevaleça”.
A conclusão adotada pelo mencionado Juízo nos parece correta, uma vez que a extinção dos embargos à execução fiscal sem a efetiva análise da questão material neles deduzida resultaria na impossibilidade de controle judicial da negativa de determinada compensação na via administrativa. Outrossim, haveria ônus de sucumbência aos particulares que exerceram direito de ação com fundamento em entendimento que se aparentava pacífico no julgamento do Tema 294/STJ.
Embargos à execução são distribuídos por dependência ao juízo da execução fiscal, enquanto a ações anulatórias se dirigiriam ao Juízo Cível, em regra.
Nada obstante, o teor do art. 55, § 2º, I do CPC/15, há conexão entre a execução de título extrajudicial e a ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico, ainda que não se verifique expressa identidade do pedido ou causa de pedir. Deste modo, a conexão resultaria na prevenção do juízo da execução de título executivo extrajudicial, caso da certidão de dívida ativa, para o processamento da ação anulatória do débito fiscal, não havendo qualquer prejuízo à Fazenda, especialmente se preservada a garantia prestada, previamente ao oferecimento dos embargos até o trânsito em julgado.
por:
Fernanda Guimarães Hernandez (OAB/DF 7.009)
Rafaella Alencar Ribeiro (OAB/DF 57.278